Resumo do Artigo Comida e Antropologia

por Tania M. L. Torres

 

MINTZ, Sidney W. Comida e antropologia: uma breve revisão.  Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 16, n. 47, out. 2001, p. 31-41.

 

Dificilmente outro comportamento atrai tão rapidamente a atenção de um estranho como a maneira com que se come: o quê, onde, como e com que freqüência comemos, e como nos sentimos em relação à comida. O comportamento relativo à comida liga-se diretamente à nossa identidade social, reagimos aos hábitos alimentares de outras pessoas, quem quer que sejam elas, e elas reagem aos nossos.

O comportamento relativo à comida revela rapidamente a cultura em que cada um está inserido. Comer é uma atividade humana central não só por sua freqüência, constante e necessária, mas também porque cedo se torna a esfera em que se permite alguma escolha. Para cada indivíduo, representa uma base que liga o mundo das coisas ao mundo das idéias por meio de nossos atos.

Nossos corpos podem ser considerados o resultado, o produto, de nosso caráter que, por sua vez é revelado pela maneira como comemos. A difusão comercial de certos alimentos, como os que foram primeiramente cultivados no Novo Mundo, é muito mais antiga do que a chamada “globalização”, e é importante continuar lembrando aos entusiasmados globalistas – que parecem ser tantos – dessa verdade tão pouco espetacular. A difusão do milho, da batata, do tomate e da pimenta-do-reino, do amendoim e da castanha, tanto no Novo quanto no Velho Mundo, não precisaram de transporte aéreo, de cientistas de aventais brancos, do Mcdonald’s, nem da engenharia genética – nem tampouco da propaganda, e muito menos de antropólogos – e começou a acontecer há quinhentos anos.

A comida foi, então, um capítulo vital na história do capitalismo, muito antes dos dias de hoje: como alimentar pessoas, e como fazer dinheiro alimentando-as. Entretanto, a despeito dessas grandes mudanças, é verdade que as últimas duas décadas assistiram a uma difusão sem precedentes de novos sistemas de distribuição em todo o globo. A invasão da Ásia pela fast food norte americana é um importante exemplo dessa mudança (Watson, 1997), assim como houve, inversamente, uma grande e rápida difusão de restaurantes familiares asiáticos nos Estados Unidos. Na China, por exemplo, comer no Mcdonald’s é sinal de mobilidade ascendente e de amor pelos filhos. Onde quer que o Mcdonald’s se instale na Ásia, as pessoas parecem admirar a iluminação feérica, os banheiros limpos, o serviço rápido, a liberdade de escolha e o entretenimento oferecido às crianças.

            Como as comidas são associadas a povos em particular, e muitas delas são consideradas inequivocamente nacionais, lidamos freqüentemente com questões relativas à identidade. Todos sabemos que os franceses supostamente comem rãs e caracóis; os chineses, arroz e soja; e os italianos, macarrão e pizza. Mas a espantosa circulação global de comidas e a ciculação paralela de pessoas levantam novas questões sobre comida e etnicidade. Seria mais fácil mudar o sistema político da Rússia do que fazê-los abandonar o pão preto; a China abandonaria sua versão do socialismo mais facilmente do que o arroz. E, no entanto, a população desses dois países mostra uma extraordinária disposição para experimentar novas comidas. Parece, então, que uma estranha congruência de conservadorismo e mudança nos acompanha sempre no estudo da comida.

Não deve nos surpreender o fato de que certas comidas consideradas marcadores étnicos – por exemplo, macarrão, croissants, bagels, pizza, o croque monsieur – estejam perdendo hoje esse rótulo, tornando-se, dentro do mercado global de alimentos, o que chamaríamos de comidas etnicamente neutralizadas. Graças à associação das mulheres com a comida e com o cozinhar, e dos homens com a caça e a política, desenvolveu-se uma importante literatura dedicada à comida e ao gênero (gender). Parte dela trata da relação entre a comida e a imagem do corpo; outros livros tratam da relação entre domesticidade e liberação das mulheres; outros, ainda, das ligações entre comida e a auto-identificação com gênero (gender).

As comidas escolhidas pelas pessoas indicam uma padronização em nível mundial. Uma característica regular do aumento da renda é a diminuição do consumo de tubérculos e o aumento do consumo de cereais, sendo que este só decai quando é substituído pela proteína animal e por alimentos assados. É possível traçar um padrão de consumo nos países pobres: a principio com uma orientação puramente calórica, as pessoas passam a substituir os tubérculos pelos cereais, e quando o consumo de cereais chega ao máximo, começam a acrescentar a proteína animal. Essa seqüência implica em prosperidade. Nos países desenvolvidos, a obesidade, problemas circulatórios e cardíacos e muitos outros males são atribuídos a uma dieta que, ao longo do tempo, parece infelizmente ser a mesma aspirada pelos países mais pobres, e que, muitas vezes, é alcançada nos países em desenvolvimento.

Diferenças de classe em padrões  alimentares estão agora mais integradas a diferenças entre os países desenvolvidos e aqueles em desenvolvimento; o mercado mundial de alimentos acarreta mudanças mais rápidos e menos desvios. Isso explica o fato de que, cada vez mais, grupos privilegiados de assalariados e empresários chineses comecem a comer em massa, pela primeira vez, os alimentos que a classe média dos Estados Unidos acredita serem excessivamente ricos, gordurosos e abundantes em proteínas.

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